Johan Cruijff
Hendrik Johannes "Johan" Cruijff (Amsterdã, 25 de abril de 1947) é um treinador e ex-futebolista dos Países Baixos, apontado como o melhor futebolista neerlandês de todos os tempos.[7] É também o atual técnico da Seleção Catalã.
Considerado um jogador revolucionário, tático, ofensivo, coletivo, vistoso e eficiente, inspirou muitos jogadores e treinadores a partir de suas extraordinárias atuações no Ajax e, principalmente, na Seleção dos Países Baixos, durante a Copa do Mundo de 1974. As suas atuações no mundial foram suas únicas referências para grande parte das pessoas que o conhecem;[8] antes da cobertura ao vivo dos campeonatos estrangeiros pela TV, apenas as Copas eram vistas mundialmente de maneira especial.[9] Cruijff encantou na Copa, mesmo com exibições consideradas abaixo das que tinha nos campeonatos europeus.[8]
Se, atualmente, há no futebol jogadores polivalentes que podem atuar sem posição fixa no campo, sem prejuízo de suas atuações individuais, muito se deve a este genial craque e não menos a seu treinador no Ajax, Barcelona e na Seleção Neerlandesa, Rinus Michels. Mesmo mais de trinta anos passados da Copa do Mundo de 1974, os Países Baixos, Michels e Cruijff sintetizam a última revolução tática na história do futebol e serão para sempre lembrados como sinônimos do chamado futebol total, o qual os jogadores de linha se sentiam à vontade ao desempenhar todas as posições.
Visto como um pensador do futebol, costumava enfatizar a rapidez de pensamento tanto quanto a rapidez do corpo: sua característica velocidade era descrita pelo próprio como uma questão de saber a hora certa de começar a correr.[8] Cruijff foi escolhido pelo IFFHS o maior jogador europeu do século XX, e o segundo maior do mundo, atrás somente de Pelé.[10] Seu sobrenome é originalmente grafado, na língua neerlandesa, como "Cruijff", sendo mais popularmente escrito como "Cruyff" no exterior.
No final dos anos 1960, já demonstrava suas ideias revolucionárias. Deixou a todos no Ajax loucos não só ao impor as suas noções de táticas, como também a tomar a iniciativa de negociar seus termos salariais. As ideias ousadas de Cruijff combinaram-se com a igualmente ousada ambição de um professor de ginásticas para crianças surdas, Rinus Michels, quando eles se encontraram em 1965 no Ajax, onde Michels chegara para ser técnico. Michels planejava transformar o clube, uma equipe semiprofissional que fazia jogos pelo leste de Amsterdã, em um time internacional de ponta - o que ele e Cruijff conseguiriam em seis anos.[8]
Sua ficha em perfil dele publicado em edição especial da Placar sobre os cem melhores jogadores do século XX, dos quais ele foi eleito pela revista o terceiro, atrás só do vencedor Pelé e de Diego Maradona, era bem sincera no campo "posição", onde estava escrito "todas, menos o gol".[7] Diferentemente do brasileiro e do argentino, Cruijff não era tão malabarista, se assemelhando mais ao estilo de um de seus ídolos, Alfredo Di Stéfano;[11] seus trunfos concentravam-se na velocidade, intuição, inteligência e objetividade em campo,[11] ditando um jogo de toques rápidos em que os jogadores não possuíam posições fixas, trocando-as constantemente, com exceção óbvia ao goleiro - que nem por isso deixava de ter a sua contribuição no "sistema", cabendo a ele a função de iniciar os ataques.[8] O chamado "futebol total" surgiu em volta de Cruijff, um jogador com fome de jogo, que, com fome de bola, ia atrás no campo para marcar o adversário e tirá-la dele, com todas as condições para isso: tinha um fôlego privilegiado, era magro, sendo exímio no controle de velocidade [7] e já mentalizando que jogadas poderia fazer antes mesmo de receber a bola.[11]
Não hesitava em orientar os companheiros:[7] mesmo com a posse de bola, não parava de falar e ordenar o posicionamento dos colegas, controlando o ritmo e tática de sua equipe; tal como um maestro, conduzindo uma orquestra com constantes improvisações conforme a situação da partida; embora jogasse mais como um meia, parecia estar em todos os lugares, correndo pela ponta esquerda, caindo pelo meio, ordenando regulares trocas de posições. Frank Rijkaard, um de seus discípulos, afirmaria que Diego Maradona poderia ganhar um jogo sozinho, mas não tinha o talento de Cruijff para mudar a tática do time para vencer a partida. Individualmente, ele também inovava com seus chutes, dando impressões de que tinha quatro pernas; até então, poucos chutavam com o lado de fora do pé. Era capaz de dar "piques nos piques", acelerando jogadas já bem aceleradas, deixando os adversários para trás.[8] Capaz de giros em pequenos espaços, chutes longos certeiros, dribles fáceis, de ser bom cabeceador e artilheiro.[7]
Por outro lado, sua personalidade quente e que não aceitava ordens,[7] um possível resquício da perda prematura do pai, faria Michels contratar dois terapeutas para atender o garoto.[8] Dentro de campo, entretanto, a parceria seria um sucesso
Ajax
Cruijff foi praticamente criado no Ajax: seu pai, Manus, dono de uma mercearia, fornecia frutas ao clube.[8] Os vínculos continuaram por parte de mãe, que foi trabalhar como faxineira do clube após tornar-se viúva[7] (quando o garoto Cruijff, que frequentava os vestiários já com quatro anos, possuía doze[8]). Por ideia dela, o filho entrou nas categorias de base do Ajax; ela acreditava que assim ele poderia superar a deficiência que tinha nos pés, cuja má formação o obrigava a utilizar aparelhos ortopédicos: ironicamente, só assim ele, cuja uma das caracterísitcas futuras seria suas corridas fulminantes, conseguia caminhar. Sua sugestão provar-se-ia como divisora de águas não só do clube, mas do futebol nacional e internacional.[7]
O garoto estreou em 1964, em derrota de 1 x 3.[8] Com a chegada um ano depois de Michels, que aceitou o jogo ditado por Cruijff, os títulos viriam em série: o Ajax seria na primeira temporada com ambos trabalhando juntos, a de 1965/66, campeão neerlandês, o que se repetiria consecutivamente outras duas vezes.[12] Outros três títulos no campeonato nacional viriam em espaço de cinco anos.[12] Cinco Copas dos Países Baixos também seriam levantadas no período.[13]
Na Copa dos Campeões da UEFA, após uma eliminação nas quartas (contra o Dukla Praga)[14] e outra nas oitavas (contra um futuro rival de Cruijff, o Real Madrid) o Ajax chegou à final em 1969. No caminho, eliminou o vice-campeão anterior,[15] o forte Benfica de Eusébio, mas perdeu a decisão para Milan.[16] Para piorar, o arquirrival Feijenoord trouxe a mais importante taça europeia de clubes pela primeira vez para os Países Baixos, em 1970. Cruijff, Michels e o Ajax responderam logo na edição seguinte, igualando o rival e superando-o em seguida: foram três títulos consecutivos, nas edições de 1971, 1972 (ano em que ele foi pela segunda vez artilheiro do campeonato, e em que o time ganhou todos os torneios importantes que disputou) e 1973,[17] respectivamente contra o Panathinaikos (time então treinado pelo lendário Ferenc Puskás),[18] Internazionale [19] e Juventus (tendo passado no caminho também pelo posterior igualmente tricampeão seguido Bayern Munique e pelo Real Madrid).[20] Pelos títulos de 1971 e 1973, seria premiado com a Bola de Ouro da France Football, sendo o primeiro neerlandês a recebê-la.[21]
Os dois últimos títulos europeus foram já sem Michels, que saíra para o Barcelona após a primeira conquista continental.[22] O Ajax também venceu a Copa Intercontinental de 1972, sobre o Independiente, derrotando os argentinos por 3 x 0 em Amsterdã após sair de Avellaneda com um empate de 1 x 1, com um gol dele.[23] O clube não venceu outras Intercontinentais pois declinou em participar: a anterior, de 1971, foi o Panathinaikos quem enfrentou os uruguaios do Nacional;[24] em 1973, quando a disputa seria outra vez contra o Independiente, o Ajax voltou a ceder a vaga para o vice-campeão europeu, desta vez a Juventus.[25]
Cruijff então estava liderando sozinho um time de bairro que, dono de um estádio pequeno até para as segundas divisões da Itália ou Espanha e cujos jogadores não ganhavam mais do que um bom lojista, vinha reinventando o futebol. Após o título de 1973, entretanto, decidiu sair do clube, vítima do próprio poder que ajudara a deixar nas mãos dos jogadores: seus colegas decidiram que o novo capitão do clube seria Piet Keizer. Cruijff iria então para onde estava Michels, o homem que o compreendera: o Barcelona.[8]
Barcelona
Chegou ao Barça na negociação mais cara do futebol até então,[7] por cinco milhões de florins, preço tão alto que o governo espanhol não aprovou a transferência. Só conseguiu ser levado porque foi registrado oficialmente como uma peça de máquina de agricultura.[8] Cruijff justificou o alto investimento: marcou duas vezes na estreia e reconduziu o Barça a um título espanhol que não vinha havia 14 anos, quando ainda jogavam pelo clube Luis Suárez, László Kubala, Zoltán Czibor, Sándor Kocsis e Evaristo.[26]
Eleito o melhor jogador do campeonato, receberia sua terceira Bola de Ouro pelo feito.[21] A temporada fora em estado de graça também por ele ter conseguido, paralelamente, classificar a Seleção Neerlandesa à Copa do Mundo de 1974 - os Países Baixos não disputavam o torneio desde a sua segunda participação, na edição de 1938. Se a primeira temporada foi mágica, as seguintes lhe seriam estressantes,[8] apesar da companhia de seu ex-colega de Ajax e Seleção Johan Neeskens, trazido ao clube após o mundial de 1974. Em 1975, 1976 e 1978, o campeão foi o Real Madrid, sempre com pelo menos cinco pontos de vantagem. Na única temporada em que os merengues estiveram mal, quando terminaram em nono, o Barça perdeu a taça por um ponto para o outro time da capital, o Atlético de Madrid.[27]
Fora o título espanhol de 1974, a outra única conquista de Cruijff com o Barcelona viria em 1978, quando levantou a Copa do Rei,[28] para logo depois aposentar-se - sequer iria à Copa do Mundo de 1978 -, cansado da violência dos gramados espanhóis, onde chegou a ter uma perna quebrada.[7] "Se você não se diverte, não aguenta a pressão", justificou.
Volta aos gramados
Fizera sua despedida em outubro de 1978, com a camisa do Ajax, em amistoso contra o clube que havia sido o sucessor imediato da equipe na hegemonia da Copa dos Campeões: o Bayern Munique, que conquistaria o troféu também três vezes seguidas após o último do Ajax.[17] Os alemães venceriam por 8 x 0. Este acabaria, entretanto, sendo um final provisório: em virtude de investimentos desastrosos em criações de porcos, que o fariam perder milhões, Cruijff se viu forçado a voltar a jogar.[8]
Escolheu o futebol dos Estados Unidos, onde poderia viver tranquilo, no anonimato. Passaria dois anos nos EUA, onde defendeu primeiramente o Los Angeles Aztecs, onde foi novamente treinado por Michels; e depois o Washington Diplomats. Vestiria também a camisa do New York Cosmos em amistoso de exibição. Mesmo no futebol mais calmo da liga estadunidense, foi mal humorado, enlouquecendo colegas e outros técnicos; certa vez, após seu técnico no Diplomats ter feito a preleção, Cruijff simplesmente levantou-se, limpou o quadro-negro e disse: "é claro que faremos tudo diferente disso". Um dos jogadores do Dips teria dito que o clube, ao contratar o neerlandês, deveria ter pago também por um estoque de algodão para que todos ali tivessem algo mais para tapar os ouvidos.[8]
Voltou a se apaixonar pelo esporte, mas cansou-se dos EUA, onde, excluído do grupo no Diplomats, anunciara que se limitaria apenas a fazer gols (e os fez). Regressou brevemente à Espanha, onde vestiu novamente um manto azul e grená, mas não o do Barcelona e sim o do pequeno Levante, de Valência.[7] Logo retornaria aos Países Baixos e ao Ajax. Enfrentou ceticismo não só por nunca ter sido uma unanimidade em casa (onde era acusado de "desbocado" e "dinheirista" - houve relatos de que ele cobrava para dar autógrafos [11]), mas também pela idade de 34 anos e seu físico já alquebrado.[8]
A resposta veio em sua reestreia, em que passou por dois zagueiros e encobriu o goleiro do Haarlem. O público lotava os estádios para o ver, acreditando que estava perto da aposentadoria, e as câmeras de TV muitas vezes não conseguiam seguir suas jogadas fulminantes.[8] Em suas duas temporadas no retorno ao Ajax, seria campeão neerlandês [12] (e na segunda, também campeão da Copa nacional),[13] convivendo com os jovens Marco van Basten e Frank Rijkaard. A primeira vez em que Van Basten entrou em campo profissionalmente foi inclusive substituindo Cruijff na partida.[29]
Também causou furor ao inventar a cobrança em dois lances de um pênalti: em outra partida, ao cobrar a penalidade, apenas tocou a bola para a frente, deslocando o goleiro enquanto um companheiro corria atrás da bola para repassar-lhe para que concluísse sem obstáculos para as redes. Outro lance foi de calcanhar: Cruijff certa vez avançou em direção ao gol e o goleiro adiantava-se para tentar bloquear-lhe; Cruijff então virou-se e passou a correr em direção ao próprio campo, sendo seguido pelo goleiro até perto do meio-de-campo, quando este então percebera que em algum momento Cruijff chutara para as redes sem interromper seu passo.[8]
Depois de duas temporadas, porém, Cruijff foi despedido do clube depois do segundo título seguido no campeonato por se recusarem a lhe pagar o que queria,[8] pois já o consideravam velho demais. Aos 36 anos, preparou sua vingança,[30] firmando contrato com o rival Feyenoord. No time de Roterdã, jogando sua última temporada profissional, ele, convivendo agora com um jovem Ruud Gullit, ganharia pela terceira vez seguida a Eredivisie, quebrando um jejum de dez anos do novo clube no campeonato nacional,[12] e venceria também a Copa dos Países Baixos.[13] Seriam os únicos troféus oficiais do Feyenoord na década de 1980 - a equipe só voltaria a faturar a Copa em 1991, e o campeonato, em 1993.[12][13]
Desde 1996, doze anos após sua aposentadoria, um troféu que leva seu nome seria criado pela Real Associação de Futebol dos Países Baixos, sendo entregue ao vencedor da partida entre os campeões do campeonato e da Copa nacionais.
Fonte: Wikipedia.