Alfredo Di Stéfano(2)
Real Madrid
O Barcelona o negociara com o clube que oficialmente detinha de seu passe, o River Plate.[23] Di Stéfano já havia participado de três amistosos pelo Barcelona quando o Real Madrid entrou na disputa por ele: o clube da capital falara diretamente com o Millonarios e passou a considerar-se também dono da joia rara.[23] O ministro dos esportes, General Moscardo, apresentou sua solução: o argentino faria temporadas alternadas por cada equipe por quatro anos - começando pelo Real. O acordo foi rejeitado pelo Barça, e Di Stéfano acabaria ficando no Real.[23]
A polêmica mudança dele para o Real fez o Barcelona sentir-se traído. A rivalidade entre as duas equipes, sem tanta força até então - outros ex-jogadores do clube, como Ricard Zamora e Josep Samitier, já haviam jogado sem maiores problemas na equipe madrilenha nos anos 1930 -, começaria aí,[3] aumentando com o passar dos anos devido às conquistas em série que o Real conseguiria com ele liderando o clube em campo. Antes de Di Stéfano chegar em 1953, o clube da capital não era o maior vencedor do país, nem mesmo da cidade: tinha dois títulos no campeonato espanhol, mas conquistados havia mais de vinte anos. No momento, o Barcelona (seis), Atlético Bilbao (cinco), Atlético de Madrid (quatro) e Valencia (três) possuíam mais conquistas em La Liga.[1][26]
Pois com Di Stéfano em sua primeira temporada, o Real conquistaria seu terceiro título, muito por conta dos 29 gols que deram a artilharia do torneio ao argentino.[27] Um bicampeonato seguido viria na segunda temporada.[27] Em 1955, ele e o Real ganhariam também a Copa Latina, o mais prestigiado torneio europeu de clubes na época, que reunia os campeões de Espanha, França, Itália e Portugal.[28] Os espanhóis venceram os portugueses d'Os Belenenses e, na final, os franceses do Stade de Reims.[28]
O segundo título espanhol com Di Stéfano, por sua vez, credenciou o Real Madrid a ser o primeiro representante da Espanha na Copa dos Campeões da UEFA, que teria sua primeira edição na temporada europeia de 1955/56.[29] Nesta temporada, os merengues perderiam o título espanhol para o Atlético Bilbao, mas com ele faturando novamente a artilharia [27] e, o mais importante, com os blancos conquistando a primeira edição do novo torneio europeu. A vitória na final foi em novo confronto sobre o Reims. Di Stéfano marcou um dos gols, diminuindo momentaneamente a vitória parcial do adversário para 2 x 1, com menos de quinze minutos de jogo.[30] A taça viria para a Espanha após o time vencer de virada por 4 x 3.[30] Também para a sede de clube viria um jogador adversário, Raymond Kopa, contratado após a partida.[31]
A linha ofensiva com seu compatriota Héctor Rial, Kopa e o ponta da Seleção Espanhola Francisco Gento daria frutos na temporada 1956/57, com o Real vencendo novamente o Espanhol (com Di Stéfano novamente na artilharia)[27] e conseguindo um bi na Copa dos Campeões. Di Stéfano e Gento marcaram uma vez cada nos 2 x 0 sobre a Fiorentina.[32] O Real venceu também a última edição da Copa Latina, que se encerraria justamente por perder seu prestígio frente à Copa dos Campeões.[28] Desta vez, os batidos foram o Milan, com um 5 x 1, e, por 1 x 0 com gol de Di Stéfano, o Saint-Étienne.[28]
Aquela temporada também ficou marcada por ele ter passado a defender a Seleção Espanhola,[33] como Rial já vinha fazendo. A temporada que se seguiu viu o Real igualar-se a Barcelona e Atlético Bilbao como o maior vencedor da Liga Espanhola [26] e com Di Stéfano novamente artilheiro dela.[27] A continuação houve também na Copa dos Campeões: pela terceira vez seguida, a taça veio para o Real após vitória apertado 3 x 2 (com ele marcando o primeiro gol merengue) em reencontro com o Milan, que contava com jogadores consagrados como Nils Liedholm e Juan Alberto Schiaffino, em uma decisão.[34]
Se as duas temporadas seguintes viram o Barcelona retomar por um tempo a dianteira na Liga, conquistada pelo clube em ambas,[26] elas também viram o Real continuar sua dominação continental. Na primeira, com Di Stéfano novamente artilheiro do Espanhol,[27] o troféu europeu foi levantado após nova vitória, agora por 2 x 0, na final sobre o Stade de Reims, com ele marcando o segundo gol.[35] A segunda seria a mais memorável: primeiro, por um time contar pela primeira vez com o astro Ferenc Puskás na final (uma lesão tirou o húngaro da decisão anterior). Segundo, por ter eliminado nas semifinais seu novo rival, o Barcelona, com duas vitórias por 3 x 1 em que Di Stéfano marcou duas vezes na primeira.[36] A terceira razão foi a atuação magistral do argentino e do húngaro na final. A dor de cotovelo dos barcelonistas aumentava cada vez mais: o sucesso do Real pela Europa era usado a favor da ditadura de Francisco Franco, torcedor do clube e cujo governo fazia opressão oficial à manifestações culturais consideradas como "não-espanholas" - dentre elas, a catalã, a quem o Barcelona representava.[37]
A segunda decisão terminou em um 7 x 3 sobre o Eintracht Frankfurt, com La Saeta Rubia marcando três e Puskás, os outros quatro.[36] A final foi na Escócia,[36] e a performance foi descrita pelo jornal britânico The Guardian como "Fonteyn e Nureyev, Bob Dylan no Albert Hall, a primeira noite de Sagração da Primavera, Olivier no seu auge, o Armoury Show e a Ópera de Sydney, tudo isso em um só evento".[3] Os anos de ouro no cenário internacional terminariam na década com o Real faturando também a primeira Copa Intercontinental, com vitória de 5 x 1 sobre o Peñarol. Em menos de dez minutos, ele já havia marcado uma vez, e Puskás, duas.[38]
Os anos 1960 vieram com o clube recebendo o troco do Barcelona na Copa dos Campeões, com os rivais os eliminando na primeira fase do torneio de 1960/61.[39] Naquele ano, a equipe também perdeu Didi, que viera após a Copa do Mundo de 1958 como estrela, mas que não se firmara no Real. Di Stéfano chegou a ser responsabilizado pelo fracasso do brasileiro, a quem teria organizado um boicote. O argentino desmentiria isso em sua autobiografia, lançada em 2001, afirmando que seria natural não passar a bola a Didi, pois na verdade, como jogava mais avançado que este, deveria justamente receber os passes dele, e não o contrário. Acreditava que Didi, a quem reconhecia a excelência da técnica mas criticava um certo excesso de individualismo e exibicionismo, seria influenciado pela esposa, correspondente do Última Hora, que escrevia que o marido seria alvo do ciúme e inveja do argentino. Outro argumento contra a versão de Didi é a de que teria inclusive ajudado o novo colega a instalar-se na capital espanhola.[40]
Canário, outro brasileiro daquele Real Madrid, reforçou as palavras de Di Stéfano, declarando não ter havido boicote ao compatriota, e que na realidade o próprio Didi não conseguira encaixar-se no estilo do Real.[41] "A Guiomar (esposa de Didi) se metia em tudo. Naquele tempo, tinha a ditadura franquista, não se podiam dizer algumas coisas e ela falava demais. Ainda controlava o Didi. Ele ia do futebol para casa e não se relacionava com os outros", disse.[42] Didi manteve sua versão, além de negar os comentários dirigidos à mulher, até o fim da vida.[40] Já em 1973, Di Stéfano, em entrevista à revista brasileira Placar em 1973, contava uma história diferente da do brasileiro, similar à da que colocaria na autobiografia décadas depois:
Ele andou dizendo que eu não lhe passava a bola. Como? Eu jogava na frente e ele atrás; Didi é que tinha de passar a bola para mim. O problema é que, na Espanha, jogador de meio-campo que tenta jogar só com a bola no pé se dá muito mal. (...) Didi tinha problemas também com a mulher. Parece que ela não queria ficar em Madrid. Veja bem: quando ele chegou, tentei ser amigo e fiz de tudo para ajudá-lo, inclusive orientando-o quanto à maneira de vestir-se. Um frio de louco e o homem andava só de camisa. Depois, dizia que não podia se acostumar com o frio. Pudera! Mas, se ele realmente falou mal de mim, depois negou tudo. Uma vez, não me lembro onde, encontrei a Seleção Brasileira. Fui à concentração e Didi estava com o Gilmar e o Nilton Santos. Perguntei-lhe então o que tinha contra mim, por que dera entrevistas falando mal de mim. Ele, na frente dos companheiros, disse que era invenção dos jornalistas, que não havia falado nada. E ficou nisso.[8] | — Sobre o suposto boicote a Didi
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Um ano depois da queda prematura na Copa dos Campeões, os merengues voltaram à decisão continental: seria contra os portugueses do Benfica, justamente quem em 1960/61 derrotaram surpreendentemente o Barcelona na final.[39] Contra os encarnados, o Real chegou a estar vencendo por 2 x 0 e, posteriormente, por 3 x 2, mas o adversário conseguiu virar e vencer por 5 x 3.[43] Era a primeira vez que os madridistas perdiam uma decisão da Copa dos Campeões - e era também a primeira vez que La Saeta Rubia não marcava na final - os três gols do time foram de Puskás.[43] A perda da sexta taça europeia também impediu um triplete do Real, que já havia ganho na temporada o campeonato espanhol e também a Copa do Rei (então Copa do Generalíssimo) em 1962, a primeira e única vencida por Di Stéfano.[44] O torneio foi um dos poucos pontos negativos da carreira de Di Stéfano, que havia perdido, em pleno Santiago Bernabéu,[44] as outras três finais que dele disputara, contra os rivais Atlético de Bilbao (1958) e Atlético de Madrid (1960 e 1961).[44] Ele, por outro lado, só passou a poder disputar a competição depois que naturalizou-se, em 1957. Na época, apenas espanhóis podiam disputar a Copa espanhola.[45]
Os títulos domésticos de 1962 fizeram justamente parte de uma série de conquistas do clube na Liga Espanhola que o faria ultrapassar o rival Barcelona e tornar-se o maior vencedor do campeonato. Após conquistar cinco títulos continentais seguidos na década de 1950, o Real levantaria o Espanhol também cinco vezes seguidas entre 1961 e 1965.[26] A última das conquistas seguidas do Real no campeonato espanhol foi já sem Di Stéfano no elenco: já sem os mesmo números de artilheiro , Di Stéfano deixou em 1964 o clube cuja história mudara, insatisfeito após ser deixado no banco de reservas depois que o clube perdeu a final da Copa dos Campeões para a Internazionale;[4] novamente, ele não marcou na partida.[46]
Alfredo era meu amigo e companheiro de quarto nos hotéis e concentrações. Eu o admirava. Na realidade, me deixava de olhos arregalados cada vez que pegava na bola. Mas já tinha 38 anos e suas condições físicas não eram as melhores. Poderia ter continuado titular jogando somente como ponta, com um raio de ação limitado, como Ferenc Puskás, mas queria seguir estando em todos os lugares do campo. Não podíamos seguir assim[47] | — Desabafo de Miguel Muñoz, ex-colega de Di Stéfano no Real e técnico da equipe no momento em que o ídolo saiu
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